10º DIA. Puerto Maldonado – Cuzco
Foi um dos dias em que acordei
mais empolgado. O desafio de encontrar
algo diferente ainda mais em terras estrangeiras era o meu combustível. Como na maioria das vezes, tomei um bom café
da manhã finalizando com um forte chá de coca com uma neosaldina para evitar o
mal das altitudes. Eu não estava almoçando todos os dias. Comia apenas um chocolate
ou uma barra de cereal ao meio dia. Assim eu não me sentia cheio, nem com sono,
melhorando meu desempenho. Perdi um pouco de tempo arrumando a bagagem, acho
que devido às tantas perguntas feitas pelo funcionário que me observava durante
esta tarefa. Tudo pronto, saí rumo à interoceânica sob os olhares dos
habitantes, passando pelo centro daquela cidade cheia de motocars.
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Famoso motocar |
Deixei o mp3
do celular no modo aleatório e veio logo uma ótima música de Bruce Springsteen.
É incrível como uma boa música influencia no nosso estado emocional. Com
sorriso e vento no rosto, segui pela rodovia que aqui recebe também o nome de
PE-30C. O governo peruano está de parabéns no quesito manutenção de suas
estradas. Sempre há homens aparando o mato próximo à pista com aqueles
cortadores de grama movidos a gasolina (acho). A pista por sinal é muito bem
construída e não se observa buracos. Até pouco antes de Mazuko, onde presenciei
uma forte manifestação por parte dos mineiros da região (há várias minas no
local), não há muitas curvas. A partir da Serra Santa Rosa começam as curvas
acentuadas, muitas em 180°. Esta serra foi, para mim, uma espécie de aperitivo
à chegada da Cordilheira do Andes.
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Serra Santa Rosa |
Não é seguro andar a mais de 80 km/h neste
trecho caracterizado por tantas subidas e descidas apinhadas de curvas. O sol
batia forte nas costas desde Puerto Maldonado, o que me fez sair sem segunda
pele por baixo nem luvas para frio. Eu estava ainda em plena Amazônia peruana.
A vegetação era robusta e densa em muitos pontos. O rio Inambari marcava
presença, podendo ser observado em vários trechos. Sua água é de um verde que
não se vê no Brasil e seu leito é coberto por pedras redondas de vários
tamanhos, nas quais a passagem das águas provoca um barulho gostoso de ouvir.
Tudo isso aguçava meus sentidos e eu não me continha fazendo várias fotos.
Parava a moto, retirava o tripé, armava-o, fazia as fotos, desmontava o tripé e
o prendia na bagagem novamente. Esta rotina me custou muito caro mais tarde. Mas eu estava empolgado, não tinha capacidade
de ser racional naquele momento. A alegria e o sentimento de conquista por
estar percorrendo de moto e sozinho uma rodovia fantástica me despiam de ponderação
em relação ao uso do tempo. Eu sentia necessidade de registrar tudo aquilo. E
de repente choveu forte sem me dar chance de colocar a capa de chuva. Foram
aproximadamente 20 km de água sobre o corpo e não havia lugar adequado para
realizar parada. Atravessei a bela ponte sobre o rio Inambari, primeiro trevo
Juliaca-Cuzco, até que numa determinada curva, pouco antes de uma cidade
chamada Quincemil, avistei a Cordilheira dos Andes com toda a sua imponência e
grandeza.
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1º trevo Juliaca - Cuzco |
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Fim do departamento de Madre de Dios |
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Cordilheira ao longe, momento emocionante. |
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Rio Inambari |
A chuva já tinha dado espaço para o sol. Fiquei muito emocionado
naquele instante parado sem saber se contemplava aquela maravilha da natureza
ou se montava o tripé para registrar aquela cena. A cordilheira se estendia de
uma ponta a outra do horizonte. Calculei que na extremidade esquerda, sul,
seria o acesso à Bolívia via Puno e na direita, norte, seria o meu destino:
Cuzco. Em Quincemil abasteci e tomei um refrigerante. Neste ponto era para eu
ter colocado todo o conjunto de segunda pele e forro interno da calça e
jaqueta, assim como as luvas próprias para frio, mas cometi o ato ingênuo de
subestimar o poder daquela formação geográfica. Até por que estava quente e
abafado.
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Abastecimento em Quincemil |
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No interior dos Andes peruanos |
À medida que eu adentrava a cordilheira através dos espaços entre as
montanhas, o frio ia aumentando. Aos 1700 metros coloquei a balaclava,
aproveitando para mais fotos e apreciar as finas quedas d´águas que enfeitavam
as enormes montanhas. Numa dessas paradas coloquei a capa de chuva já
percebendo o erro de não ter saído de Puerto Maldonado de agasalho por baixo.
Ao alcançar os 4500 metros peguei uma forte neblina com momentos de chuva. Ali
eu andava à, no máximo, 30 km/h.
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Acima de 4000 metros |
Eu não estava em pânico devido à intervenção
divina. Neste ponto da rodovia a maioria das curvas faz um giro de 180°. A
visibilidade estava quase zero até que atingi o altiplano e as nuvens se dispersaram.
A vegetação mudou totalmente para um tipo rasteiro cor de musgo. As lhamas se
mostraram presentes com seus agasalhos naturais. Eu não suportava mais o frio
em todo o corpo, principalmente nas mãos e nos pés. Não vi outra saída senão
arriscar uma parada e efetuar uma troca rápida de meia, camiseta por segunda
pele plus e luvas com três camadas. Perdi algum tempo reorganizando a bagagem.
Quantas lições eu aprendi neste dia? Com certeza muitas. Segui já com o sol se
pondo sem saber que os apuros não haviam terminado. Apesar de não estar muito
longe de Cuzco, não faria este trecho de forma rápida porque já estava escuro.
Alguns carros faziam curva avançando o limite de sua faixa, outros queriam me
ultrapassar de todo jeito, pois eu realmente estava lento. Para completar,
presenciei um acidente. Uma Hilux desceu pelo espaço lateral onde escoa a água
da chuva. Esta vala é bastante funda, o que fez com que a pick-up virasse de
lado. Passei ao lado dela com os pneus ainda rodando no ar e o motorista a
xingar o caminhoneiro que seguia na nossa frente. Resolvi rezar em voz alta,
assim não me senti mais tão só. Acredito que rezei uns três terços, pois não
contava as Ave Marias e os Pai nossos. Simplesmente ia orando aleatoriamente e
pedindo a Deus para que eu chegasse logo ao meu destino. Avistei as luzes de
Cuzco, mas parecia que eu estava andando era para trás, pois as mesmas
continuavam distantes. Até que alcancei um grupo menor de luzes, era Urcos. As
curvas se tornaram menos angulosas e senti a aproximação do meu destino naquele
dia que poderia ter terminado melhor depois de tantas alegrias. Ao chegar em
Cuzco diminuí a tensão e fui em busca da “Plaza de las Armas”, devidamente marcada
em meu GPS, que devido ao bom mapa instalado, trabalhou muito bem no Peru. A
Praça das Armas de Cuzco é o centro das atividades noturnas. Estacionei a moto
sob os olhares de muitas pessoas às 08:40 h local. Pedi a um dos inúmeros
jovens mochileiros que passavam, para tirar uma foto minha. O fez com honra.
Chegando ao hotel, conheci o Jairo de Natal. Cara muito prestativo que me deu
muitas dicas de como aproveitar a estada na cidade que já foi a capital do
império Inca. Liguei para a família que estava aflita, tomei um bom banho
quente, jantei e apaguei na cama.
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Praça das Armas em Cuzco...frio intenso de 0ºC |
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